1 de mar. de 2008

Estranhos no caminho


O sol avermelhado do fim da tarde banhava as vastas colinas verdejantes do nordeste de Jartir. Ao sul, podia-se ver a floresta de Bruadar formar um mar verde que se perdia no horizonte, com árvores altas e volumosas até mesmo na beirada da mata. A súbita e clara divisão entre floresta e colinas era resultado do desmatamento de mais de séculos atrás, quando antigos povos das regiões rochosas vizinhas vinham extrair madeira daqui. Eles também abriram rente à floresta uma estrada ligando o que hoje é a parte central do reino humano de Jartir até uma antiga cidade-fortaleza no sopé das montanhas limítrofes do então reino anão de Vindsteinn.

Hoje, porém, Vindsteinn é um reino humano, de homens ferozes, e apesar de possuir grande riquesa mineral, não mantém comércio com nenhum de seus vizinho, nem mesmo para suprir
sua carência em produção de alimentos. Diplomacia passa longe de Vindsteinn. A velha estrada é quase sem propósito, a não ser para aqueles que têm a mesma missão dos homens que agora transitavam por ela, quebrando a beleza e a tranquilidade da paisagem viçosa: guerrear.

O exército de Jartir marchava pela estrada, sabendo que tinha uma missão ingrata pela frente: convencer os vindsteinianos a entregar os guerreiros responsáveis pela recente destruição de uma vila em território Jartiriano, perto da fronteira, sob pena de iniciar uma guerra.

Após a expulsão dos anões, Vindsteinn já esteve em guerra com todos os seus vizinhos, inclusive Jartir. Guerra é o que corre no sangue dos vindsteinianos. E neste momento, o general Bjorn, comandante das tropas jartirianas, sabe disso. A guerra contra tão indesejável inimigo é inevitável. E o pior: seu desfecho, incerto.

Ainda que tivesse esse pensamento inquietante, este velho veterano também sabia que as tropas não precisam de dúvidas, mas de motivação e de um líder inspirador. E a figura de Bjorn era, de fato, inspiradora. Apesar de já ter passado dos 50, gozava ainda de robusto e poderoso físico, marcado por cicatrizes de batalha que contavam um pouco de sua experiência em combate. Seus vastos cabelos e barba ruivos sobravam para fora do elmo prateado, de certa forma combinando com sua expressão austera que reconfortava a confiança dos soldados quando discurssava para eles.

Mesmo tendo sido também filho de general, seu brilho próprio, seu poder de causar grande destruição em batalha, seus inúmeros feitos desde a juventude e sua capacidade de liderança formavam nele uma combinação rara, que o tornaram mais famoso do que o próprio pai, falecido herói de guerra. Era um exemplo que a maioria da tropa queria seguir. Absorto em pensamentos, subitamente algo na paisagem chamou sua atenção. Algo que estranhou não ter notado antes.

Um pequeno grupo de quatro pessoas, humanos, provavelmente, cobertos com mantos coloridos, observavam, umas duas centenas de metros à frente, o avança das tropas pela estrada. Um deles aproximava-se caminhando calmamente na direção do general, que do alto de seu enorme cavalo armadurado, liderava à frente de todos.

Não havia perto deles cavalo ou qualquer outra coisa que servisse de montaria, o que era estranho, já que nos arredores não havia vila ou cidade. Deviam ter vindo de longe. Seriam mensageiros de Vindsteinn? Parecia muito improvável que mandassem mensageiros, muito menos de aparência pacífica, sem armas aparetes. Alguns minutos passaram-se até que dois soldados, de espadas em punho, voltaram escoltando com olhar atento e suspeito a pessoa que se aproximava.

Era realmente um homem, aparentando não mais do que 30 anos. Estava bem vestido, porém em roupas pouco típicas, peças em tons de azul, exceto pela calça e botas de couro. Seu manto ostentava diversos símbolo que Bjorn nunca havia visto. Não estava suado. Não parecia ter passado por longa viagem. Mas o que mais chamava atenção nele eram seus longos cabelos brancos, que desciam lisos e soltos atá a cintura.

— Saudações, general Bjorn. Sou Fafnir. Perdoe minha aparição repentina. Se posível, gostaria que me acompanhasse para uma pequena conversa diplomática. Aquele que você vê ali
— disse apontando para o homem que parecia ser o líder do grupo de onde viera Lord Smaug, gostaria de tratar com você sobre um assunto que certamente é do interesse de sua nação. Ele também solicita que venha só, general.

— Fafnir? Apesar de sua polidez, me pergunto como alguém que acabo de encontrar inesperadamente na estrada pode querer falar a sós comigo, sem sequer dizer a que bandeira serve, e em tempos de guerra, também?

— Ah, perdoe-me, general. Assumi que alguém com sua experiência dispensasse explicações quado ouvisse o nome do nosso senhor. Lamento minha presunção. Mas mesmo em lendas deve ter ouvido sobre O Senhor das Chamas, Smaug.

Após breve pausa, com um sorriso debochado de Bjorn respondeu:
— Hump. Que história é essa? Não quero ser rude, Fafnir, mas realmente espera que eu creia nisso? Não tenho tempo para brincadeiras. Lendas são lendas. Mesmo que Smaug exista, por que ele viria falar comigo? Há algumas décadas não se vê...
olhando para o seus subordinados ao redor, que acompanhavam tudo, desistiu do que ia falar — Bem, perdoe-me agora, mas tenho pressa em minha viagem. Com licença.

Dizendo isto, virou-se e fez menção de seguir adiante em seu cavalo.

Mas Fafnir interrompeu imediatamente.
— Por acaso, antes de morrer, o senhor Guthleif não lhe contou o que viu na batalha de Folkvar, no fosso das ruínas, na guerra de 38 anos atrás? Ou o que fez aquelas cicatrizes na perna esquerda dele, quando jovem?

Bjorn parou o cavalo. Após alguns momentos, voltou novamente o olhar para Fafnir:
— O que você sabe sobre meu pai?

— Ah, muito. Nós o conhecemos, general Bjorn. Estivemos com ele durante aquela batalha em Folkvar. Ajudamos ele a impedir a eminente libertação do que estava naquele fosso.
Os companheiros de armas do seu pai eram corajosos, mas não tinham nenhuma chance contra aquilo.

O imediatos de Bjorn ouviam aquilo que parecia não fazer sentido, e aguardavam curiosos uma resposta do general, que não parecia contente com o que ouvia, mas permanecia calado. Vendo que a dúvida ainda pairava no ar, Fafnir continuou, sempre calmamente.

Também o ajudamos quando ele abandonou o norte para viver em Jartir, ainda jovem. Ele estava sendo perseguido, o senhor sabia disso? Ele teria sido...

Bjorn interrompeu, erguendo a mão.

— Chega. Após uma pequena pausa, Fafnir acenou com a cabeça e disse:

— Que bom. Percebo que agora o senhor sabe que não se trata de uma brincadeira.